terça-feira, 25 de junho de 2013

O Velório




Naquele dia parecia estar dentro de um dos livros de Érico Veríssimo, o fantástico Incidente em Antares.
Amanheci com uma sensação estranha no peito, angustiada, com medo, sei lá. Ainda na cama o telefone tocou e uma prima avisa que um tio havia deixado essa, subido no telhado, ido para os céus enfim.

Já havia uns meses que estava com meu pai adoentado e alguns dias que ele morava conosco. Permeava um clima de apreensão e cuidados com sua saúde, embora o velho, ressalte-se,jamais emitiu um muxoxo qualquer em razão da sua precariedade física. Contrariamente,como era de se esperar manteve-se sereno e otimista. Ama a vida.

Durante algumas horas fiquei hesitante entre ir ou não ao velório. Velório é algo que me causa desconforto, nunca sei para quem olhar, como me dirigir aos familiares e pior que isso me sinto como se eu mesma estivesse sucumbindo. É horrível.

Minha mãe também não gostava dessas coisas; funeral, enterro acredito que herdei isso de família.

Como se não bastasse, na hora do almoço, o meu velho recebe uma ligação de um amigo que noticia o falecimento do seu pai, constato então que realmente o dia não iria ser fácil. Uma nuvem negra pairava sobre minha cabeça.

Meu papai, sabendo da minha relutância em comparecer a esse tipo de "evento" permanece em silêncio, mas  sei que ele com sua educação mais conservadora, considera relevante a presença de algum membro da família.

Então, sem pensar muito, me prontifiquei a representá-lo junto aos amigos e familiares dos finados. Curiosamente os velórios eram lado á lado e lá fui eu reticente com um pé aqui e outro há milhares de quilômetros de distância que é onde queria estar.

No velório do tio durante o palavreado de uma senhora que aos céus encomendava-lhe a alma, passei a sentir uma sensação de paz e compreensão existencial.
(despretensiosamente, é claro)

Depois, dirigi-me ao velório vizinho, procuro o amigo do meu pai, o vivo e não o morto, e qual o quê, me deparo com uma figura de olhos bem azuis que vertiam muita água e um bafo de pinga que só vendo. Fico penalizada, agora pelos dois: o vivo e o morto.

Findado os protocolos não havia mais sentido na minha presença ali e furtivamente alcancei aliviada a rua. Já no carro comecei a repisar uma promessa de Ano Novo: Esse Ano vai ser meu, nada vai me derrubar.

Aí ao invés de voltar para casa sorumbática macambuzia, me dirigi ao salão de cabelereiro e me deixei levar ouvindo prosopopéia para boi dormir e outras futilidades.

Abandonei os cabelos desgrenhados e as olheiras que concorriam com os defuntos. Repentinamente a nuvem negra se dissipou dando lugar a um azul igualzinho aos olhos do pinguço.
Sobrevivi...