quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

A CHUVA









PLOC PLOC PLOC escorre  a chuva nas folhas
O canteirinho com plantas crescidas em meio ao mato rebelde, se resfetela com a molhaceira.
A chuva canta poderosa e luzes azuis cortam o cinza molhado do céu.
O varal barrigudo "prenho" de roupas pesadas irrita a dona de casa. No chão limpo, as marcas barrentas dos sapatos enchuvarados.
Os guardas chuvas parecem ter vida própria, saem correndo com pernas molhadas e colorem as ruas. 
Molha as meias e pequenos redemoinhos carregam o lixo para os bueiros.
Nas cachoeiras urbanas as coisas boiam e tudo flutua.
Nos vidros embaçados temos telas onde desenhamos bobagens e mensagens que evaporam junto com a vida.
A chuva borrifa um spray de alegria.
Refrigera a vida e por alguns momentos escorre a angústia abafada no peito. 
Respiro leve e limpo.
O ônibus está atrasado e o sol apareceu.


PARA ANDRÉ

segunda-feira, 19 de março de 2018

CAIXAS DE SAPATOS







Por quê os sapatos vem em caixas? Uma forma bem acabada em papelão, umas coloridas, outras não. Seja como for, acabam crucialmente na vida da gente. As caixas revelam-se terapeuticamente úteis.
Depois dos sapatos, algumas passam a guardar a linha do tempo.

Um dia abrimos aquela caixa escondida em um canto defeso da casa e repentinamente, a caixa, nos devolve ao passado ou nos arremete ao incerto e desejado futuro. 

São mágicas.
O coração dispara entre a euforia e a melancolia.
Abro a tampa, fecho a conta do terapeuta.



Encontro papéis amassados documentando certezas, miçangas de um carnaval, receitas de bolo batumado, notas de dinheiro junto ao passaporte, agulhas tortas e botões de uma roupa que usei ou vou usar. 

Santinhos de orações que nos protegem, mesmo dentro das caixas de sapatos, disso estou certa.

Na caixa de sapato, insetos secos que devoravam as minhas lembranças e esperanças. 

Agora traças e tesourinhas antenadas me parecem simpáticas.

Despreparada para o garimpo, me assombro com achados preciosos, pessoas perdidas em bilhetes de conteúdos mirabolantes.

Os olhos sorriem ou marejam, também vi a folha ressequida mas sua cor era esperançosamente verde  porque há futuro nas caixas junto com as moedas e o passaporte. 

As fotos, capítulo á parte.
Tudo presente, o morto, o vivo, o novo, o velho, o cheiro, o feio, o belo na caixa de sapatos. 

O mito de Pandora se esvai posso suspirar tranquila. Abri a caixa de sapatos.
Intrigante.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018