terça-feira, 19 de abril de 2011

FREGUÊS

O Homem do saco povoa a imaginação de muitos da minha geração, quem nunca ouviu uma história do homem do saco. A minha historieta é verdadeira e segue exatamente como eu me lembro:


Tínhamos um “freguês” que aparecia na porta sempre no mesmo horário em busca de um prato de comida. Nós e alguns da vizinhança éramos solícitos ao pedido do nosso exótico cliente de cabelos desgrenhados, unhas sujas e roupas igual, mas que conservava um quê de simpatia. Até seu cachorro, fiel amigo, parecia sorrir simpático. De alguma forma, sabíamos a trajetória de vida do nosso freguês e a partilhávamos. Quando o digno cidadão não aparecia, sentíamos a sua falta.


O nosso freguês fazia pequenos serviços de jardinagem, aparando a grama, podando as roseiras, fato esse que o tornava delicadamente especial e inesquecível.


Ainda, na contra mão da mesmice, ele não era bêbado, tão pouco um marginal, aliás caminhava longe da maldade, enfim destoava...


Nunca soubemos de alguém que tivesse receio do nosso homem do saco, era mais um conhecido do bairro, meio esquisitão, mas era só isso. Um ser inocente.


Hoje, personagens como o antigo "homem do saco", são invisíveis, mas, estão por toda parte, transitam ou perambulam em meio a nossa caótica vida. Não há como negar a presença “ectoplasmática” deles.


Contudo, sequer podemos descrever algum detalhe físico dessas figuras que garimpam nas ruas, reciclam o lixo, sustentam placas vendendo ouro, limpam banheiros, mesas e varrem o chão, sem falar dos seus inconfundíveis carrinhos de carga sempre carregados de algo que já fez parte de nossa vida. (versão do saco século XXI)


Bom , quanto ao nosso antigo "freguês" de olhos vivos e espertos, continuou por muito tempo a visitar-nos, deixando um rastro de curiosidade por onde passava, afinal o homem tinha um saco de histórias, vivia coberto pelo céu, era intímo das plantas e sempre andava para frente.


Uma única vez laconicamente manifestou que foi sua opção viver da "caridade de quem lhe detestava"(Cazuza).


Quando atendo à porta ou campainha sinto quase que uma ameaça, um sinal de perigo, o meu "freguês" foi abduzido por algum alienígena e nunca mais voltou e na minha porta só encontro hoje o medo.

Um comentário:

  1. ...você é mesmo um saquinho de surpresa...
    O homem do saco preto de minha infância trazia
    tantas histórias de guerras...falava tantos
    idimas naquele sotaque alemão... trazia no olhar a aceitação da dor como parte da vida.
    É...lá vem você,menina do saco surpresa,que me
    ajuda a remexer em baús tão descuidadamente enterrados.Obrigada,amiga.Bjs (ZEY)

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